Medicalização da vida: o uso exacerbado de psicofármacos em tratamentos de saúde mental

Autores

Resumo

Introdução: A medicalização da vida é concebida como a conversão de situações corriqueiras ou de cunho social em questões de natureza médica que necessitam de tratamento e acompanhamentos realizados por profissionais da saúde mediante aparatos clínicos, como avaliações diagnósticas e uso de medicamentos (Rocha et al., 2019). Diante disso, sabendo que a saúde mental é um campo multifatorial atravessado pela produção de adoecimentos e aspectos de bem-estar, esta não deve ser reduzida a uma dimensão medicalizante (Toso; Souto, 2020). A exemplo disso, percebe-se a incidência de elevados diagnósticos precoces como tentativas de tamponar um problema que não é individualizante, mas psicossocial, ocasionando o aumento exacerbado de terapêuticas focadas exclusivamente no uso de psicofármacos que, por sua vez, constantemente são prescritos de modo abusivo, ocasionando a realocação de eventos ordinários (envelhecimento, luto, menopausa, entre outros) ou coletivos (desemprego, violência intrafamiliar, racismo, etc.) em, respectivamente, campos clínicos e individuais (Rodrigues et al., 2022). Objetivo: Discutir sobre a superestimação das práticas medicalizantes e suas relações com o sofrimento psíquico na sociedade contemporânea. Metodologia: O presente trabalho parte de uma revisão de literatura qualitativa exploratória realizada a partir de artigos científicos encontrados na base de dados Scientific Eletronic Library Online (SciELO), publicados entre os anos de 2018 e 2022, a partir dos descritores “medicalização” e “vida”. Foram encontrados 25 resultados no total, dos quais somente 6 permaneceram para uso, tendo como critério para inclusão a presença do termo medicalização em seus títulos e o enfoque em saúde mental em seus resumos. Resultados e discussões: Com a produção da loucura pela medicina/psiquiatria a partir do século XVIII, a consequente maximização dos diagnósticos, a medicalização e a difusão midiática de que os transtornos mentais, em especial os depressivos e de ansiedade, atualizam-se na contemporaneidade como o mal do século XXI. Prevalece atualmente a naturalização de cada vez mais formas de mal-estar e/ou sofrimento como possíveis diagnósticos, ampliando, por conseguinte, soluções aparentemente rápidas para problemas de caráter até então inerente à condição humana (Lemos; Nascimento; Galindo, 2022). À vista disso, o conglomerado constituído não só pela indústria farmacêutica e pela medicina, mas também por instituições formadoras de profissionais de saúde, promovem em conjunto a difusão de uma atuação e de um discurso que se apropriando da vida social do indivíduo generalizam exponencialmente a imagem do médico como o principal certificador da adequação de inúmeras situações na linguagem científica responsável por produzir diagnósticos e receituários para o requerimento de medicações, tendo, no caso da saúde mental em contexto brasileiro, o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM) e o Código Internacional de Doenças (CID), elaborados respectivamente pela Associação Americana de Psiquiatria (APA) e pela Organização  Mundial de  Saúde (OMS), como bases principais de referência (Macêdo; Barboza; Tsukuda, 2019). Tal adequação é mais do que perceptível nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), uma vez que, mesmo tendo a descentralização como um de seus baluartes, acabam mantendo como principais atribuições o oferecimento de atendimentos psiquiátricos e a oferta de psicofármacos, atividades que, por mais que necessárias, pecam ao se situar como práticas institucionalizadoras e ainda herdeiras de uma perspectiva manicomial (Macêdo; Barboza; Tsukuda, 2019). Sendo assim, dispondo da compreensão etiológica da doença mental como advinda de deficiências genéticas, químicas e/ou de agentes físicos, os tratamentos psicofarmacológicos nos mais variados equipamentos intencionam uma amenização das perturbações suscitadas pelas irregularidades supracitadas, o que pode negligenciar o caráter multifatorial do sofrimento psíquico quando o assenta como algo a ser remediado essencialmente por intermédio de psicofármacos, se distanciando de tratamentos voltados a psicoterapia, mudanças de rotina e alimentação, manutenção de vínculos saudáveis, entre tantos outros (Frazão; Minakawa, 2018). Conclusões: Em suma, tendo o contexto atual como plano de fundo no qual é exigido um estado de bem-estar contínuo, acontecimentos cotidianos são posicionados como suscetíveis a processos de tratamento médico, donde a medicalização atinge a possibilidade de ser permanentemente necessária para as mais diversas situações, sendo os psicofármacos, anteriormente concebidos para casos específicos e graves, agora visualizados como soluções viáveis para toda sorte de variações de humor ao passo em que os demais tratamentos em saúde mental são mantidos na indiferença (Frazão; Minakawa, 2018). Perante o exposto, far-se-á necessário a abertura de espaço à compreensão da saúde mental como processo que envolve uma multiplicidade de fatores imbuídos na experiência existencial, social e histórica do sujeito, em que o tratamento psicofarmacológico deve ser visualizado como um dos recursos passíveis de aplicação ao invés de apresentado como o único a ser mantido.

Biografias Autor

Mateus Paulino Ferreira da Silva, Centro Universitário Vale do Salgado

Graduando em Psicologia pelo Centro Universitário Vale do Salgado - UniVS - Bolsista PROUNI, em Icó - CE. Estagiário voluntário do Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS, em Lavras da Mangabeira - CE. Além disso, já exerceu as seguintes atividades acadêmicas durante a graduação: diretor científico da Liga Acadêmica de Estudos Cognitivo Comportamentais - LAECC (COPEX/UniVS), monitor remunerado da disciplina Psicologia Experimental do Comportamento e membro do Grupo de Estudos Fenomenologia e Gestalt-Terapia (COPEX/UniVS), do Grupo de Estudos Cinema, Arte e Fenomenologia (COPEX/UniVS) e da Liga Acadêmica de Psicologia Comunitária - LAPSICO (COPEX/UniVS). Possui Ensino Médio completo e os cursos técnicos em Agroindústria, Informática e Empreendedorismo pela Escola de Ensino e Educação Profissional Professor Gustavo Augusto Lima, em Lavras da Mangabeira - CE.

Tadeu Lucas de Lavor Filho, Centro Universitário Vale do Salgado (UniVS)

Psicólogo (CRP 11/16.666). Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário Dr. Leão Sampaio - UNILEÃO - Bolsista do PROUNI. Especialização em Docência do Ensino Superior e Tutoria de Educação a Distância (Instituto Pedagógico de Minas Gerais - IPEMIG). Especialização Latu Sensu em Gênero, Diversidade e Direitos Humanos pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). Mestre e Doutor em Psicologia pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará - UFC na Linha de Pesquisa Subjetividade e Crítica do Contemporâneo. Experiência em Atividades de Ensino, Extensão e Pesquisa. Sou Professor Adjunto da Universidade Estadual do Ceará (UECE) na Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Iguatu (FECLI/UECE) e Professor Horista de Psicologia do Centro Universitário Vale do Salgado (UNIVS). É Docente Avaliador do Banco Nacional de Avaliadores do Sinaes - BASis/INEP/MEC (Portaria Nº 562, de 27 de Dezembro de 2022). Atualmente é pesquisador no Laboratório de Psicologia em Subjetividades e Sociedade - LAPSUS - UFC. Extensionista no Projeto de Extensão 'É da Nossa Escola que Falamos' do Departamento de Psicologia da UFC. Membro do Núcleo Docente Estruturante do Curso de Psicologia da UniVS. Tenho interesse de investigação nas áreas de Psicologia Social, Psicologia Escolar/Educacional, Estudos Pós-coloniais e Decoloniais, sobretudo estudos interdisciplinares na área social-saúde-educação. 

Publicado

2024-04-19