Uma análise de possíveis convergências entre o mindfulness e o processo de exposição

Autores

  • Antonio Martins Vieira e Silva Junior UNIVS
  • Georgiana de Alencar Portela
  • Igor Eduardo Coutinho Madeira

Resumo

O Mindfulness é baseado em práticas contemplativas orientais, especialmente Zen-Budistas, e foi introduzido no contexto científico e terapêutico ocidental pelo biólogo americano Jon Kabat-Zinn, deste então, tem sido adotado por modelos de terapia comportamentais de terceira onda. Seu uso é realizado através de práticas contemplativas e exercícios de atenção direcionada, sendo os principais elementos a aceitação e observação voluntária da realidade como se apresenta. A prática tem se mostrado eficaz no tratamento de diversas condições clínicas, como depressão, ansiedade e transtornos de personalidade. Além disso, estudos indicam que a prática regular pode promover mudanças no comportamento e melhorar a qualidade de vida. O presente estudo questiona a relação entre a prática de Mindfulness e a técnica de exposição, partindo da hipótese de que o mecanismo subjacente à prática está relacionado com os mesmos processos presentes na exposição. Apesar de sua adoção por psicólogos ocidentais e diversas pesquisas demonstrarem resultados positivos, o mecanismo comportamental subjacente que explica o funcionamento ainda carece de melhor esclarecimento, com isso percebe-se a importância de investigar os mecanismos subjacentes a essa prática e seus efeitos em diferentes populações. Assim, o objetivo do presente resumo é verificar a relação conceitual entre Mindfulness e terapia de exposição. O estudo consiste em uma revisão de literatura narrativa qualitativa exploratória utilizando-se de livros técnicos selecionados de forma sistemática através de busca em bases de dados especializadas e em referências bibliográficas de artigos e livros já conhecidos. A análise dos materiais se deu por meio de categorização temática e análise crítica do conteúdo. As práticas de Mindfulness integradas às terapias psicológicas ocidentais estão baseadas na observação e aceitação da realidade como ela se apresenta, no exercício de modular a atenção e na mudança ativa de postura em relação aos eventos privados desagradáveis, como pensamentos aversivos e emoções dolorosas. Elas partem do princípio Zen-Budista de que a dor faz parte da vida, portanto inevitável. Sua aceitação sem julgamento é a forma de enfrentamento, entretanto o ser humano busca fugir ativamente de eventos que possam levar ao sofrimento. Para Hayes (2021) é a evitação do contato com estímulos privados considerados aversivos, como pensamentos, sensações, sentimentos e emoções, a causa do sofrimento humano. Esse processo foi batizado de esquiva experiencial e é central às abordagens terapêuticas que adotam o Mindfulness. A luta para evitar eventos privados aversivos pode aumentar e prolongar o sofrimento. Por isso, uma proposta de intervenção é aceitar que algumas dores são inevitáveis. Isso pode levar a um sofrimento menor. A intervenção é baseada na aceitação dos sentimentos, pensamentos e sensações dolorosas que o sujeito sente. O indivíduo deve entrar e permanecer em contato com essas sensações, mesmo que deseje fugir ou evitá-las. Tal procedimento se dá através da observação, descrição e contato ativo com os estímulos, mesmo que sejam desagradáveis, em um processo que tende a diminuir progressivamente a dor e o sofrimento, caracterizando a exposição. Deve-se frisar que um fator presente na prática é o distanciamento voluntário dos aversivos enquanto observados sem julgamento e desconectados do sujeito, o que diminui a aversividade, mas não elimina os estímulos. Deve-se evidenciar que o descrito anteriormente é congruente com pesquisas científicas de base analítico comportamental e a filosofia Behaviorista Radical, tendo em vista que eventos privados ou públicos possuem propriedades para eliciar respostas reflexas (agradáveis ou desagradáveis), adquiridas a partir de uma história de aprendizado prévio através de condicionamento respondente (emparelhamentos), operante (modelagem), aprendizagem indireta (modelação) ou aprendizagem por meio de comportamento verbal (regras ou relações de equivalência). É necessário levar em conta que os estímulos aversivos selecionam respostas operantes para evitá-los previamente, que são reforçadas negativamente a partir de sua remoção ou ausência, sendo possível classificar a esquiva experiencial como um comportamento operante reforçado negativamente resultante da fobia das próprias emoções. É comum que pessoas com pensamentos e sentimentos aversivos criem estratégias para evitá-los ou fugir deles, pois tendem a eliciar outros respondentes dolorosos, geralmente manejando o ambiente para evitar algo que dispare o evento privado doloroso ou criando distrações com finalidade de evitá-los em sua presença. Pode-se perceber que a simples exposição ao aversivo privado leva a uma cadeia comportamental problemática, incluindo respondentes e operantes, e que os processos de seleção e manutenção da esquiva experiencial são semelhantes ao da esquiva de estímulos públicos. Assim, existem respostas operantes selecionadas para evitar uma classe de respostas privadas reflexas aversivas que produzem alívio imediato e eliciam respostas privadas aversivas atrasadas. A exposição é uma técnica que envolve expor o sujeito aos elementos fóbicos através de uma hierarquia de contato, que tende a limitar a esquiva, e parte dos princípios de extinção e habituação, onde o organismo se adapta ao estímulo assim como o estímulo condicionado tende a perder a propriedade de eliciação a partir de múltipla exposição sem a presença do incondicionado. Deve-se destacar que a esquiva experiencial tende a perpetuar e fortalecer o problema, pois ao evitar o estímulo aversivo não desenvolve repertório de enfrentamento, bloqueia a exposição e produz aversivos privados atrasados, como sentimento de culpa ou ruminação, trazendo mais sofrimento. É possível perceber que a prática Mindfulness possui elementos de exposição, pois a observação de estímulos fóbicos privados de forma controlada leva ao sujeito a se expor e dá a oportunidade do organismo passar pelos processos de habituação e extinção, bem como o distanciamento voluntário dos aversivos age para limitar a esquiva ao reduzir a o grau de aversividade presente, o que aumenta o engajamento. Assim, a prática seria apenas uma variação da exposição em si e sua eficácia estaria ligada a esse fator.  Conclui-se que o Mindfulness leva à exposição de estímulos privados eliciadores de respostas reflexas aversivas, como sensações físicas e psicológicas dolorosas, o que é realizado em conjunto com a limitação ativa da esquiva. O trabalho estabeleceu uma relação entre a prática e técnicas de exposição, evidenciando o papel da habituação e da respondente, entretanto são necessários novos estudos, principalmente de cunho experimental, para investigar tal relação, tendo em vista se tratar de um trabalho teórico conceitual.

Publicado

2024-04-20