O direito fundamental à vida e a prática abortiva à luz do novo Estatuto Do Nascituro

Authors

  • Samuel de Matos Brito
  • Romeu Tavares Bandeira

Abstract

O ordenamento jurídico brasileiro consagrou o direito à vida como corolário da dignidade da pessoa humana, ao dispor no caput do artigo 5° da Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes do país a inviolabilidade do direito à vida (Brasil, 1988).  Não obstante a tratativa conferida pelo legislador constituinte, o direito fundamental à vida não goza de caráter absoluto, é tanto que o Código Penal Brasileiro autoriza a prática abortiva em determinadas hipóteses, as quais se encontram elencadas de modo taxativo no bojo do artigo 128 do mencionado diploma legal. (Brasil, 1953). Outrossim, o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF n. 54 de 12 de abril de 2012, decidiu, por maioria por votos, vela viabilidade da prática abortiva naqueles casos em que o feto apresentar anencefalia, isto é, ausência de encéfalo, o que inviabiliza a vida extrauterina (Brasil, 2013). Na mesma linha, ao apreciar o Habeas Corpus de número 124.306 do Rio de Janeiro, a primeira turma da Suprema Corte firmou um importante precedente, ao entender que seria inconstitucional a criminalização do aborto até o terceiro mês de gestação (Brasil 2016). Em seu voto, o Ministro Luiz Roberto Barroso, afirmou que a criminalização do aborto viola, em primeiro lugar, a autonomia da mulher, que corresponde ao núcleo essencial da liberdade individual, protegida pelo princípio da dignidade da pessoa humana (Brasil, 2016). Diante de tal precedente, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) propôs no ano de 2017 a ADPF 442, com o objetivo de descriminalizar o aborto voluntário, desde que praticado até o terceiro mês de gestação. A despeito da evolução histórica no entendimento do Egrégio Tribunal Constitucional acerca da matéria em análise, o Projeto de Lei de n° 478 de 2007  (Novo Estatuto do Nascituro), em tramitação nas Casas Legislativas, tem em vista criminalizar de modo irrestrito a prática abortiva no Brasil, tornando-a inviável inclusive naquelas hipóteses em que a gestação resultar de violência sexual. Diante disso, surge a seguinte problemática: Qual o posicionamento adotado pelo Novo Estatuto do Nascituro em relação ao direito fundamental à vida e a prática abortiva no Brasil? Nessa baila, o objetivo do presente trabalho é: analisar o direito fundamental à vida e a prática abortiva de acordo com as disposições do Projeto de Lei de n° 478 de 2007 (Novo estatuto do Nascituro). No que tange aos aspectos metodológicos, tem-se um estudo de caráter analítico e do tipo bibliográfico e documental, ademais, detém um viés explanatório e descritivo de abordagem qualitativa, tendo como estratégia metodológica a revisão literária. A pesquisa é elaborada a partir de materiais existentes que já foram publicados, diante disso, para que a mesma ocorra se fazem necessários dispositivos e instrumentos bibliográficos atinentes ao raciocínio de determinados autores, utilizando-se de artigos, livros, dentre outros instrumentos (Gil, 2008). A pesquisa documental equivale à coleta de dados documentais, sendo eles escritos ou não, e constituídos de fontes primárias e secundárias. Condizendo, a documentos de arquivos públicos, publicações parlamentares, estatísticas, documentos, legislação (Marconi; Lakatos, 2011). Outrossim, as pesquisas explanatórias têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, por fito de formular problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos futuros. Passando-se à discussão, depreende-se que a despeito de sua fulcral relevância, o direito fundamental à vida não detém caráter absoluto, podendo ser relativizado. Assim sendo, o artigo 128 do Código Penal Brasileiro legitima a prática abortiva em dadas hipóteses, notadamente quando a gravidez resulta de violência sexual bem como naquelas situações em que não há outro meio de salvar a vida da gestante. A despeito de seu acentuado viés protetivo, o Novo Projeto de Lei se contrapõe às disposições normativas e jurisprudenciais vigentes no Ordenamento Jurídico Brasileiro, o que pode ser constatado, por exemplo, na redação do artigo 13 do Projeto, pelo qual o embrião concebido em um ato de violência sexual não sofrerá qualquer discriminação ou restrição de direitos. Para além disso, o Projeto de Lei inviabiliza a utilização de células tronco embrionárias (embriões excedentários) para fins de pesquisa, é o que se extrai do artigo de 25 do Novo Estatuto, o qual dispõe ser crime congelar, manipular ou utilizar o nascituro como material de experimentação (PL 478, 2007). É certo que o início da personalidade civil se dá a partir do nascimento com vida, entretanto, a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro. Nesse sentido, não se pode olvidar que as garantias constitucionais não são absolutas, devendo-se ponderar casuisticamente aquilo que deve prevalecer no plano fático. Desse modo, a vida do nascituro, quando confrontada com a dignidade da pessoa humana, não deve prevalecer, razão pela qual é defeso ao legislador infraconstitucional tolher da mulher vítima de violência sexual o direito de abortar. Na mesma linha, pode-se concluir que o Novo Estatuto dilata sobremaneira o conceito legal de nascituro de tal modo a abarcar os embriões concebidos “in vitro”, incluindo-se os embriões excedentários e inviáveis, o que contraria as dispões da Lei de Biossegurança ( Lei n° 1.105 de 2005),  declarada constitucional pela Suprema Corte, no âmbito da ADI 3510. Conclui-se, por fim, que o PL apresenta em sua redação original disposições flagrantemente incompatíveis com o Ordenamento Jurídico Brasileiro, o que reclama uma análise apurada por parte das Casas Legislativas.

Published

2024-05-03