Terapia Cognitivo-Comportamental e Análise do Comportamento: convergências e divergências
Abstract
É comum no meio acadêmico e profissional a associação entre análise do comportamento e terapia cognitivo comportamental, partindo da ideia de que compartilham de um modelo filosófico e conceitual semelhante ou que a segunda seria uma evolução da primeira. A terapia cognitivo comportamental é um modelo de psicoterapia de origem estadunidense com ampla adoção por profissionais brasileiros, tendo sido desenvolvida pelo psiquiatra Aaron Beck a partir dos anos de 1960 para tratar pacientes diagnosticados com depressão. Beck, na época psicanalista, partiu da tentativa de provar a teoria freudiana de depressão como hostilidade retro refletida reprimida, entretanto os resultados que obteve refutaram a hipótese inicial e apontavam a presença de pensamentos negativos distorcidos influenciando os comportamentos dos pacientes. Trata-se de uma psicoterapia estruturada, de curta duração, direcionada para a solução de problemas atuais, podendo ser utilizada no formato individual, grupos, casal e família. Ela tem como pressuposto filosófico central a mediação cognitiva, ou seja, a reação aos eventos parte da interpretação destes, onde pensamentos e crenças distorcidos teriam influência no sofrimento psicológico e desenvolvimento dos transtornos psiquiátricos, com isso o objetivo do processo de terapia seria, primariamente, a mudança cognitiva. É importante observar que se trata de um modelo terapêutico eclético no tocante às técnicas, ou seja, adota intervenções provenientes de diversas outras abordagens, como Gestalt Terapia, terapias de cunho analítico-comportamental e mesmo psicanalíticas. Atualmente existem inúmeras modalidades de psicoterapia baseadas no modelo cognitivo de Beck, como a terapia do esquema, terapia cognitivo comportamental, terapia cognitiva processual etc. A análise do comportamento é uma abordagem da psicologia cujo objeto de estudo é o comportamento dos organismos, em especial do ser humano, sendo este a relação entre eventos ambientais e mudanças no organismo, tendo sido iniciada pelo psicólogo americano B. F. Skinner. Trata-se de uma vertente com sólida base experimental e cujos principais pilares são o antimentalismo e o selecionismo ambiental. As aplicações do conhecimento produzido por pesquisadores e teóricos da abordagem são inúmeras, como o tratamento de problemas psicológicos através de modelos de psicoterapia analítico-comportamentais, promoção de estratégias que possam levar ao aprendizado efetivo no campo educacional, melhorar o desempenho dos funcionários ou promover a mudança de comportamentos indesejados em ambientes organizacionais e aprimorar habilidades, otimizar treinamentos e promover o desempenho de alto nível no meio esportivo. O objetivo do presente trabalho foi o de analisar divergências e convergências conceituais e filosóficas entre a terapia cognitivo comportamental e a análise do comportamento. O estudo é uma revisão de literatura narrativa qualitativa exploratória realizada a partir de livros técnicos e artigos científicos escolhidos de forma não-probabilística por conveniência. Para realizar a análise proposta optou-se por partir da descrição dos conceitos filosóficos e conceituais da terapia cognitiva comportamental e da análise do comportamento e realizar uma comparação entre ambos, elencando, assim, as possíveis convergências e divergências. A terapia cognitivo comportamental tem como modelo conceitual a premissa congruente com a filosofia estoica de que cognições possuem influência controladora sobre as emoções e comportamentos dos indivíduos, ou seja, a interpretação da situação enfrentada pela pessoa modula sua reação, configurando, assim, uma perspectiva mediacional para explicar os comportamentos. Para ela, os comportamentos problemáticos estão relacionados diretamente a interpretações distorcidas da realidade, denominadas distorções cognitivas, que, por sua vez, sofrem influência de crenças intermediárias e centrais desadaptadas. Seu modelo interventivo básico envolve a modificação dessas construções cognitivas distorcidas que levam a comportamentos ditos disfuncionais. A partir disso, percebe-se um caráter internalista de explicação causal do comportamento. A análise do comportamento parte de um modelo biológico selecionista baseado na perspectiva evolucionista da seleção ambiental proposto por Darwin, onde comportamentos, assim como demais características do organismo, são selecionados através da interação do sujeito com o ambiente ao qual está inserido, sofrendo influência da história de vida ambiental da espécie, do indivíduo e da cultura. Seu modelo explicativo está baseado na tríplice contingência caracterizada pela relação de dependência entre três elementos: antecedentes, respostas (ação) e consequências da resposta. É importante observar que não existe relação causal entre os elementos da contingência, mas de dependência ou influência, ou seja, os antecedentes não causam a resposta, mas fornecem contexto para que ela ocorra, assim como as consequências selecionam as respostas que as produzem através de processos de reforçamento, punição ou extinção em uma relação funcional e não em uma mecanicista de causa-efeito. Nesse paradigma os três elementos estão em constante interação e influenciam-se mutuamente. Tal perspectiva se distancia filosoficamente da proposta da terapia cognitiva, sendo incompatível com ela ao sair de uma perspectiva causal internalista para uma perspectiva ambiental selecionista. Outro ponto divergente está no papel das cognições, deve-se salientar que pensamentos, emoções e sensações não são ignorados pela análise do comportamento, mas observados como comportamento em si e não como a origem de outros comportamentos, o que vai de encontro à premissa mediacional internalista da terapia cognitivo-comportamental, que vai de encontro do caráter antimentalista da análise do comportamento, ou seja, a rejeição de elementos internos como iniciadores do comportamento. A partir disso, os modelos de psicoterapia baseados na análise do comportamento buscam investigar a história de vida do sujeito através de análises funcionais buscando a função dos comportamentos problemáticos, que não são considerados disfuncionais, e ajudam o cliente a entender seus problemas a partir de uma perspectiva evolucionista funcional e modificá-los por meio de estratégias comportamentais, o que difere do modelo interventivo internalista mediacional da terapia cógnito-comportamental de modificação de cognições. O modelo analítico comportamental parte da interação entre organismo e ambiente ao longo de um período histórico para explicar os comportamentos dos, caracterizando-se, assim, como ambiental, funcionalista e selecionista. Já a terapia cognitivo comportamental parte de explicações internalistas e mediacionais para os comportamentos, onde interpretações, cognições e emoções agem como mediadores entre situação e comportamento e, assim, tendem a influenciar nas reações dos indivíduos, conceito que vai de encontro aos pressupostos fundamentais da análise do comportamento. Com isso, percebe-se que a associação entre terapia cognitivo comportamental e análise do comportamento, apesar de comum no meio acadêmico e profissional, é conceitualmente e filosoficamente equivocada, tendo em vista diferenças fundamentais entre ambas.
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